Decisão divide o tribunal e enfraquece a proteção de crianças e adolescentes
A decisão da Sexta Turma do STJ de afastar a configuração de estupro de vulnerável em um caso envolvendo um homem de 20 anos e uma menina de 13 anos expõe um desalinhamento grave entre a jurisprudência e a proteção integral prevista no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Quando a corte admite que a conduta “formalmente caracteriza o crime”, mas entende que não houve infração penal em razão de suposto consentimento, autorização familiar ou ausência de outros “deslizes pessoais”, dá-se um passo perigoso rumo à relativização da vulnerabilidade infantojuvenil. A lei é objetiva: menores de 14 anos são absolutamente incapazes para consentir. Abrir exceções significa criar brechas que fragilizam o próprio conceito de proteção e minam a função dissuasória da legislação.
Mais inquietante é a recorrência desse tipo de entendimento, já ecoado por outra turma em caso semelhante, o que sugere não uma decisão isolada, mas uma inflexão preocupante no tribunal responsável por uniformizar a interpretação da lei federal. A crítica feita no voto divergente do ministro Rogerio Schietti é um alerta claro: ao romantizar relações assimétricas e normalizar uniões posteriores ao fato, a Justiça não apenas falha em proteger crianças e adolescentes — ela chancela práticas que deveriam ser firmemente repelidas. Se o Estado não consegue garantir segurança jurídica nem para suas normas mais basilares, resta ao cidadão a sensação de que a proteção aos vulneráveis está sendo reescrita à revelia do espírito da lei.
Fonte: Blog do César Wagner
